sábado, 24 de dezembro de 2011

Como surgiram os presépios




Flávio Sampaio de Paiva *

Perguntei a um especialista em línguas: O que é o presépio? Ele respondeu-me:

Presépio é uma obra de arte sacra, composta de figuras de materiais diversos, que representa o estábulo de Belém e as cenas relacionadas com o nascimento de Jesus. Contém a representação da manjedoura (cocho) em que Jesus foi posto ao nascer.

A palavra presépio vem do latim praesepium, que por sua vez vem de prae - "antes", "na frente de" - e de saepes - "sebe", "cerca", "grade" -. O significado original dessa palavra era, pois, o de um recinto fechado onde se encerravam os animais: um curral, uma estrebaria. E como os animais confinados no curral precisavam comer, o significado dessa palavra estendeu-se também ao lugar em que os animais comem, à manjedoura.


Perguntei a um crítico de arte brasileiro: O que é o presépio? E ele respondeu-me:

Os cristãos celebram o Natal desde fins do século III, quando já peregrinos se dirigiam ao local de nascimento de Cristo, a gruta de Belém. No século seguinte, a cena da Natividade aparece em relevos de sarcófagos, instrumentos litúrgicos ou afrescos, que mos­tram a Virgem Maria, a Adoração dos Reis Magos e o Menino a repousar na manjedoura.

A primeira dessas imagens de que se tem notícias foi esculpida em um sarcófago do século IV, e encontra-se hoje no Museu das Termas, em Roma. É um baixo-relevo em que uma árvore faz o papel de cabana, um pastor medita apoiado em um bastão, o Meni­no está em um cocho rústico envolto em panos, ladea­do por um burro e um boi.

Bem depois, em 1223, na Itália, ocorre um fato marcante na história dos presépios. São Francisco de Assis, em vez de festejar a noite do Natal na igreja, como se fazia habitualmente, decidiu levar uma manjedoura, um boi, um burro e outros elementos do pre­ sépio a uma gruta nos arredores da cidadezinha de Greccio, fazendo uma representação ao vivo da cena. Assim, Francisco ganhou a fama de ter criado o presépio, embora somente séculos mais tarde os presépios tenharn adquirido a forma atual.

No século XV, passou a haver representações do Natal em forma de esculturas, muitas vezes em tama­nho natural, expostas em oratórios (capelas) nas igrejas. Sempre havia ai uma preocupação didática: pretendia-se que os espectadores, ao olharem o presépio, tivessem a sensação de estar penetrando no palco da História Sagrada.

No século seguinte, as figuras libertam-se das capelas e começam a aparecer soltas, em grupos. Nasce assim o presépio como o concebemos hoje: capaz de ser modificado por cada artista que o constrói ou por cada pessoa que o monta, em sua casa, ano após ano. Aliás, a graça do presépio está em ser criativo, tornan do cada um deles diferente, pessoal e único. O primeiro presépio deste tipo que se conhece em uma casa privada foi provavelmente elaborado em 1567: sabemos pelo seu testamento que a Duquesa de Amalfi, Constanza Piccolomini, possuía dois baús com 116 figuras, utilizadas para representar o Nascimento e a Adoração dos Reis Magos.

No século XVIII, conventos e cortes dedicaram-se à construção de presépios. Em Nápoles, Carlos III, rei das Duas Sicílias, investiu fortunas para construir presépios de madeira talhada ou pedra esculpida com um enorme número de personagens coloridos e cenas da vida popular; daí proveio a tradição dos presépios napolitanos.

Se Nápoles, Sicília, Munique e a região alpina alemã estabeleceram uma tradição em presépios, o Brasil não ficou atrás. Já em 1532, o padre José de Anchieta, ajudado pelos índios, modelava em barro pequenas figuras representando o presépio, com o propósito de inculcar nos indígenas a tradição de honrar o Menino Jesus no dia de Natal. Mais tarde, começaram a aparecer cenas com características nacionais, como lavadeiras que carregavam trouxas, fazendeiros que cuidavam de animais, mulheres que davam milho a galinhas, monjolos, montes, árvores da terra e igrejinhas iluminadas.

No século XX, surgem legítimos representantes nacionais da arte do presépio. Um caso é o presépio do Pipiripau, em Belo Horizonte, com quarenta e duas cenas. Outro destaque é o trabalho das figureiras do Vale do Paraíba, em São Paulo, principalmente Taubaté. E como esquecer o mestre Vitalino de Caruaru, Pernambuco, com as suas pequenas figuras modeladas em barro? E as obras realizadas em São Paulo por Evarista Ferraz Salles, pioneira no Brasil em trabalhos de artesanato de palha, milho e bucha, com os seus presépios dentro de cabaças, que são reconhecidos nacional e internacionalmente? [1]

Perguntei a um teólogo: O que é o presépio? Ele respondeu-me sabiamente:

A festa de Natal ocupa um lugar muito especial no coração dos cristãos. Possui um brilho e um calor humano que nos comovem mais do que qualquer outra cristã.

Muito desse encanto se deve a São Francisco de Assis e à famosa celebração do Natal em Greccio, no de 1223. Essa celebração contribuiu decisivamente para que se desenvolvesse e se estendesse o formosíssimo costume de montar presépios para comemorar o evento.

Tomás de Celano, o primeiro biógrafo de São Francisco, relata-nos: "Celebrava com incrível alegria, mais que nenhuma outra solenidade, o Natal do Menino Jesus, pois afirmava que era a festa das festas, em Deus, feito um menino pobrezinho, pendeu de tos humanos. Beijava como um esfomeado as imagens dessa criança, e a derretida compaixão que tinha coração pelo Menino fazia com que balbuciasse palavras doces, como uma criancinha. Para ele, esse me era como um favo de mel nos seus lábios" [2].

São Francisco tinha um amor imenso por Jesus, Deus-conosco, que o levou a visitar a Terra Santa e a relíquia da manjedoura em que Jesus teria sido posto ao nascer, e que hoje se encontra em Santa Maria Maior, em Roma. Essas viagens podem tê-lo animado a montar a celebração de Greccio. Mas, sem dúvida, o que mais influiu nele foi o desejo de viver com maior realismo e proximidade o nascimento de Jesus.

Havia naquela cidade um homem chamado João, "de boa fama e vida ainda melhor, por quem São Francisco tinha especial amizade", e a quem o santo encarregou de preparar a representação da cena, dizendo-lhe: "Quero evocar o menino que nasceu em Be­lém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os meus próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro"[3].

Já na véspera do Natal, o povo aproximou-se, alegre com a expectativa de ver o mistério representado ao vivo. Os frades cantavam, dando louvores ao Senhor. A missa de Natal foi celebrada ali mesmo, e diz-se que o sacerdote que a celebrou sentiu uma piedade que jamais experimentara até então. São Francisco, que era diácono, cantou com voz sonora o santo Evangelho. Depois pregou ao povo presente, dizendo coisas maravilhosas sobre o nascimento do Rei pobre e sobre a pequena cidade de Belém [4].

O cardeal Ratzinger, antes de tornar-se Papa, comentou a nova dimensão que São Francisco tinha outorgado à festa cristã do Natal. A descoberta da revelação do «Emanuel», Deus-conosco, realizada no Menino Jesus, penetra profundamente nos corações dos cristãos, porque nenhum obstáculo de sublimidade ou de distância nos separa mais dEle. Como menino, aproximou-se tanto de nós que podemos tratá-lo sem receio, com simplicidade e total confiança:

"No Menino Jesus, torna-se patente, mais que em nenhuma outra parte, o amor indefeso de Deus: Deus vem sem armas, pois não pretende assaltar de fora, mas conquistar de dentro, e a partir daí transformar-nos. Se algo pode desarmar e vencer os homens, a sua vaidade, a sua sede de poder ou a sua violência, assim como a sua cobi­ça, é a fragilidade de um menino. Deus escolheu essa fragilidade para nos vencer e para tornar-nos conscientes do que realmente somos. [...]

"Quem não entendeu o Mistério do Natal não entendeu o que é mais decisivo e fundamental no ser cristão. Quem não o aceitou, não pode entrar no reino dos céus. Isso é o que Francisco pretendia recordar à cristandade da sua época e à de to­dos os tempos posteriores"[5].

Podemos ainda perguntar-nos: Por que o boi e o asno fazem parte do presépio desde o começo? Novamente é o cardeal Ratzinger quem nos responde:

"O boi e o asno não são mera produção da fantasia. Converteram-se, pela fé da Igreja, [...] nos acompanhantes do acontecimento natalino.

Com efeito, em Isaías 1,3 diz-se concretamente: «O boi conhece o seu dono, e o asno o presépio do seu amo, mas Israel não entende, o meu povo não tem conhecimento».

"Os Padres da Igreja viram nessas palavras uma profecia que apontava para o novo povo de Deus, a assembleia dos judeus e dos cristãos. Diante de Deus, todos os homens, tanto judeus como pagãos, eram como bois e asnos, sem razão nem conhecimento. Mas o Menino, no presépio, abriu-lhes os olhos, de maneira que agora reconhecem a voz do seu dono, a voz do seu Senhor.

"Nas representações medievais do Natal, não deixa de causar estranheza o fato de esses animais chegarem a ter rostos quase humanos e a prostrar-se e inclinar-se perante o mistério do Menino, como se o entendessem e o estivessem adorando. Mas isso era lógico, uma vez que esses dois animais eram como símbolos proféticos sob os quais se oculta o mistério da Igreja, o nosso mistério, já que nós somos boi e asno diante do Eterno, boi e asno cujos olhos se abrem na noite de Natal, de forma que, no presépio, reconhecem o seu Senhor. [...]

"Quando colocamos as figuras que nos são fa­miliares no presépio, devemos pedir a Deus que conceda aos nossos corações a simplicidade que sabe descobrir o Senhor no Menino, tal como Francisco na sua época. Então poderemos experi­mentar o que nos conta Celano acerca dos partici­pantes da celebração de Greccio com umas pala­vras muito parecidas às de São Lucas a propósito dos pastores da primeira noite de Natal (Lc 2, 20): «Todos regressaram para suas casas repletos de alegria»"[6].

Depois de perguntar aos entendidos, resolvi perguntar a uma criança: O que é o presépio? Ela simplesmente me respondeu:

E o lugar onde Deus nasce.



Perguntei também a um escritor de contos: O que é o presépio? Ele respondeu-me:

É o lugar ideal para voltarmos a ser crianças e deliciar-nos com os sonhos de Deus. É a inspiração indispensável para escrever e ler contos de Natal.



[1] Cfr. Oscar D'Ambrósio, A arte dos presépios .

[2] Tomás de Celano, "Segunda vida de Sâo Francisco, em Fontes
nciscanas, 9 a ed., Vozes/FFB, Petrópolis, 2000, n 199.

[3] Tomás de Celano, "Primeira vida de São Francisco", em Fontes franciscanas , n. 84. F omes

[4] Cfr. ibid ., ns. 85-86.

[5] Joseph Ratzinger, El rostro de Dios , Ediciones Sígueme, Sala-1983, págs. 19-25.
[6] Ibid.



* Esse texto é parte do livro O Presépio das Crianças , do Padre Flávio Sampaio de Paiva, publicado pela Editora Quadrante.


Publicado no Portal da Família em 22/12/2011

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